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Prédica: João 16.12-15
Leituras: Provérbios 8.22-31 e Romanos 5.1-15
Autor: Flávio Schmitt
Data Litúrgica: 1º Domingo após Pentecostes (Trindade)
Data da Pregação: 11/06/1995
Proclamar Libertação – Volume: XX


1. Introdução

A população dos quatro cantos da terra está imersa numa tendência mundial voltada para o misticismo, o esotérico e o espiritual. O fenômeno se verifica através de religiões orientais, do surgimento de novos grupos religiosos e da retomada de aspectos místicos de outras religiões. Também no cristianismo há uma tendência de buscar os elementos da tradição que melhor se enquadram nessa perspectiva mundial.

A Bíblia e o Evangelho de João em particular apresentam material suficiente para fundamentar uma perspectiva de leitura desvinculada do cotidiano, das condições históricas concretas. O conteúdo e a linguagem (dualismo corpo/alma, luz/trevas e grandes discursos) do corpo joanino, no decorrer da história cristã, se prestaram para espiritualizar e desencarnar o Verbo feito carne. Qualquer pregação sobre textos de João precisa, necessariamente, levar em consideração esse risco.

2. O texto

a) Jo 16.12-15 está inserido na segunda grande parte do Evangelho. A primeira parte começa com o Prólogo (Jo 1). Em Jo 2-12 é apresentada a revelação da glória de Jesus perante o mundo. Na segunda parte (13-21) temos três blocos. Primeiro, os caps. 13-17, onde é revelada a glória de Jesus perante os discípulos. Em Jo 18-20 são narradas a paixão e ressurreição de Jesus. No último capítulo João coloca a aparição de Jesus na Galiléia (Lohse, p. 175s.).

O bloco de Jo 13-17 apresenta o seguinte:

— Jo 13: lavapés;

— Jo 14: conforto aos discípulos;

— Jo 15: videira;

— Jo 16: a missão do Consolador;

— Jo 17: oração sacerdotal.

O cap. 16 começa com uma advertência (16.1) e termina com uma certeza: Neste mundo vocês terão aflições, mas tenham coragem; eu venci o mundo. (16.33b.) Os vv. 12-15 se encontram junstamente no centro do capítulo. São o eixo para onde se encaminha a advertência e de onde emerge a certeza.

b) A perícope de Jo 16.12-15 não encontra paralelo nos sinóticos. Ela é parte do material exclusivo do quarto evangelho e se insere dentro da perspectiva teológica do mesmo. Nesta passagem João desenvolve sua pneumatologia.

No entanto, a promessa do que João chama de Parácleto (Jo 14.15-26) também é testemunhada por Mateus (10.19-20), Marcos (13.11) e Lucas (12.11-12, 21.14-15). Chama a atenção que o termo parakletos somente se encontra nos escritos joaninos e, prescindindo de l Jo 2.1, unicamente no contexto dos discursos de Jesus (14.16,26; 15.26; 16.7,12ss.). A tradição sinótica e a paulina não empregam o termo.

Outro elemento curioso nos três sinóticos é que o Espírito do Pai (Mt) e Espírito Santo (Mc, Lc) é prometido no contexto de enfrentamento, conforme Mateus e Marcos no contexto de entrega (Mt 10.19; Mc 13.11). Em João o Parácleto defende os discípulos diante do mundo.

Supondo a existência de uma eventual redação de João no tempo da perseguição generalizada de Domiciano (95-96 d.C.), é possível que a expressão ódio ao mundo (15.18) tenha sido cunhada nessa época para caracterizar o mundo descrente, mas, sobretudo, o mundo romano.

c) Estrutura do texto:

v. 12 — introdução;

vv. 13-14 — obras do Espírito;

v. 15 — conclusão.

A perícope inicia com uma palavra de Jesus no presente. A segunda parte fala de um futuro esperado e de uma missão a ser concretizada pelo Espírito da Verdade nesse futuro. Por fim, uma conclusão que amarra o presente com o futuro esperado.

d) As comunidades de João

As comunidades joaninas podem ser caracterizadas a partir das várias tensões que transparecem no Evangelho e nas cartas. A primeira delas diz respeito ao judaísmo rabínico (15.25), em especial aos fariseus de Jâmnia, e ao judaísmo dos batistas (1.20). Há também reminiscências de alguma tensão com a comunidade dos essênios (crítica aos ritos de purificação, presença de dualismos e a importância das festas).

Outro conflito tem a ver com o movimento gnóstico. O caminho de Deus não está no conhecimento intelectual, mas na prática (l Jo 2.3-4). O conflito com a cosmovisão grega revela tensão entre o papel da matéria e do espírito no processo de salvação. Os gregos negam a matéria e exaltam o espírito. Para as comunidades joaninas, o evangelho se tomou carne, matéria (Jo 1.14; l Jo 4.2-3).

O Evangelho de João ainda revela uma constante tensão com o mundo.

Mundo, isto é, o Império Romano. Aparece 16 vezes a palavra rei, sendo que 12 vezes só na Paixão e, especialmente, em relação a Pilatos. A realeza de Jesus, afirmada no contexto da Paixão e em confronto com o representante do Império Romano. A proclamação da realeza de Jesus é a opção radical contra o Império. (Livro da Comunidade, p. 5.)

Além dos conflitos com o contexto, as comunidades também enfrentam tensões internas. Há conflitos de lideranças (3 Jo 9-10), de unidade (Jo 17; l Jo 3.11) e com ideologias estranhas (2 Jo 7).

Em meio aos conflitos a comunidade quer fortalecer a vida (3.16), comunicar a possibilidade de vida abundante (6.38-40; 10.10). Para defender a vida é preciso fortalecer a fé. Na memória de Jesus (14.16) as comunidades encontram alento e força para testemunhar sua missão.

3. Escopo

Jesus realizou a missão do Pai. Agora as comunidades assumem esse compromisso (Jo 20.21). Para nortear essa caminhada João resgata a memória da pessoa e prática de Jesus.
A comunidade que assume a prática de Jesus encontrará perseguição e ódio (15.20). Mas a vitória já está assegurada: No mundo vocês passam por aflições, mas tenham bom ânimo; eu venci o mundo. (16.33.)

Pelo Espírito da Verdade, o mundo, que pensa julgar, é julgado por Jesus. Pelo Espirito os discípulos se tomam capazes de interpretar o mundo a partir da palavra e ação de Jesus.
4. Comentário

O Livro da Comunidade (Jo 13-17) guarda o testemunho de Jesus. São suas úlliinas vontades. A revelação dessas verdades se dá entre o tempo de preparação da Páscoa (13.1) e a prisão (IS.ls.). Jesus fala de perto com seus discípulos. Ele quer prepará-los.

V. 12:0 texto nos fala que Jesus ainda tem muitas coisas para dizer. Porém os discípulos não estão em condições de suportar. Eles não têm poder para aguentar a dura realidade: a morte se aproxima. Ainda estão muito preocupados consigo mesmos. Seria inútil querer argumentar nessa hora. Para compreender o que Jesus tem a dizer e estar em condições de suportá-lo, é necessário que os fatos aconteçam. Apesar de os discípulos não estarem em condições de suportar, a conversa continua.

Vv. 13-14: A revelação da glória perante o mundo, o lava-pés, a história da videira e os discursos de Jesus não foram o suficiente. Os discípulos estão acovardados (16.1). Essa situação somente será diferente se o Filho consumar a missão recebida do Pai. Depois, sim, virá o grande insight, o cair em si. Nessa hora os discípulos poderão contar com o Espírito da Verdade.

O Espírito da Verdade colocará a comunidade dos discípulos no estado em que já deveria se encontrar. Por isso, o Espírito da Verdade encaminhará para toda a verdade. Não haverá mais meia verdade e muito menos mentira. O Espírito da Verdade não falará em seu próprio nome. Falará em nome de quem foi enviado. O Espírito da Verdade também não deixará de dizer o que escutou. Dirá o que escutou. Além disso, anunciará as coisas que vão acontecer.

Até aqui o Espírito da Verdade funciona como uma espécie de corretivo, alguém que coloca os discípulos na linha. Mas o Espírito da Verdade vai adiante. Ele não apenas resgata o passado obscuro dos discípulos, mas projeta o futuro. O Espírito da Verdade manifestará a glória de Jesus (v. 14). Ele vai receber o que é de Jesus. Por último, irá interpretar/anunciar o que é de Jesus. Então, sim, os discípulos estarão em condições de compreender e crer.

A missão do Espírito da Verdade é ser mediador entre passado e futuro, o mundo e a comunidade, a morte e a vida. Sua função é diferenciada da função do Parácleto. Ambos representam dois aspectos distintos de uma mesma realidade. O Parácleto fica mais na defensiva diante do mundo. Ele aparece na resistência para fora da comunidade (Jo 14.16,26; 15.26; 16.7; l Jo 2.1). Já o Espírito da Verdade, que não é tanto de resistência, atua no seio da comunidade desencadeando a prática, o compromisso com a causa de Jesus. Ambos se complementam. Distinguem situações diferentes vividas pela comunidade. O Parácleto, o Espírito da Verdade, está vinculado ao Pai (14.26). Por isso não pode ser separado dos problemas da comunidade que o evangelista procura solucionar através dos discursos de Jesus.

Com o Espírito da Verdade tem início uma nova ordem nas coisas. Essa ordem secunda a morte e ressurreição de Jesus.

V. 15: Este versículo parece ser redundante. Mas é justamente aí que reside sua força. Por pertencer ao Pai o que é de Jesus, os discípulos também receberão o que é do Filho. E não é só isso, o Espírito anunciará o que pertence ao Pai. Os discípulos, a comunidade já não estarão órfãos. Estarão ligados ao Pai se estiverem ligados em Jesus.

5. Pensando na pregação

A missão do Espírito da Verdade é forte. No fundo, é a missão da própria comunidade. O Espírito da Verdade não é nada esotérico, espiritualista ou volátil. Ele se materializa na alegria, no conhecimento, na fidelidade à Palavra, na vida comunitária, na paz, na coragem, na oração, na memória de Jesus, na prática da justiça, no julgamento do mundo e na certeza da vitória.

A espiritualidade cristã se parece com a umidade e a água que mantêm a relva molhada, para que esta esteja sempre verde e em crescimento. Não se pode ver a água e a umidade do gramado, mas sem elas a relva fica seca. O que se vê é o gramado, com seu verdor e sua beleza. E é o gramado que queremos cultivar. Mas sabemos que, para tanto, devemos regá-lo e mantê-lo úmido. (Galilea, p. 14.)

Espiritualidade é a vida segundo o Espírito da Verdade. Essa explicação de um operário ilustra a missão da comunidade. Manter-se viva, como a grama verde. Para isso precisa da força, do alento do Espírito.

A riqueza desse texto de João ultrapassa em muito os limites de uma pregação. Há muitos aspectos que podem ser explorados: a relação Jesus/discípulos, comunidade/Jesus/Pai; passado sem Espírito da Verdade, futuro com Espírito da Verdade; Espírito da Verdade e mentira/corrupção; Espírito da Verdade e testemunho da comunidade.

Por se tratar do primeiro domingo após Pentecostes, convém ressaltar a concreticidade das manifestações do Espírito da Verdade. Ou a comunidade vê, sente, percebe e vive o Espírito da Verdade, ou ainda não tem poder de suportá-lo.

A partir de Pentecostes o Espírito da Verdade começa a atuar na Igreja e no mundo, demonstrando que é o Espírito de Cristo.

Ao longo da história do cristianismo o Espírito guiou homens/mulheres de fé, mártires, profetas e por meio deles/as transformou o mundo. Pentecostes nos traz a certeza de que uma nova força orienta a história da humanidade em direção ao reino de Deus.

6. Subsídios litúrgicos

Salmo: 104.24-31.

Intróito: Não por força nem por poder, mas pelo meu Espírito, diz o Senhor dos Exércitos. (Zc 4.5.)

Confissão de pecados: Leitura das estrofes do hino 150 (HPD).

Oração de coleta: Espírito Santo, Espírito da Verdade! Concede a esta tua comunidade uma inteligência que te conheça; uma angústia que te procure; uma sabedoria que te encontre; uma vida que te agrade; uma perseverança que, enfim, te possua. Amém. (Adaptado para a 3a pessoa do singular da oração de Tomás de Aquino.)

Absolvição: Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus. Porque a lei do Espírito da Vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte. (Rm 8.Is.)

Assuntos para a oração final: Mencionar as manifestações concretas do Espírito da Verdade na vida da comunidade. Interceder pelos sinais concretos da presença do Espírito da Verdade no cotidiano dos/as cristãos/ãs. Mencionar o compromisso da comunidade com o Espírito da Verdade, o sinal concreto da presença do Cristo entre nós.

7. Bibliografia

GALILEA, Segundo. O Caminho da Espiritualidade. São Paulo, Paulinas, 1984.

LOHSE, Eduard. Introdução ao Novo Testamento. São Leopoldo, Sinodal, 1980.
RUBEAUX, Francisco. Mostra-nos o Pai; uma Leitura do Quarto Evangelho. Belo Horizonte, CEBI, 1989.
VVAA. O Livro da Comunidade; João 13-17. Belo Horizonte, CEBI, s. d.

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