Aqui em Nova Friburgo, já na terça-feira à tarde (dia 11 de janeiro) houve um desmoronamento que provocou a morte de pessoas no Bairro Olaria. Estava chovendo quase todos os dias, desde 23 de dezembro.
No entanto, na madrugada de terça-feira, dia 11/01 para quarta-feira, dia 12/01 choveu intensa e ininterruptamente até praticamente o amanhecer. Em torno da 1h da madrugada houve um forte trovão e logo em seguida a energia elétrica foi cortada. Logo que levantei na quarta-feira notei que algo não estava normal, pois os veículos que transitavam na avenida central da cidade vinham todos contra-mão e em um número muito reduzido para aquela hora da manhã, principalmente o fluxo do transporte coletivo que já deveria ser intenso por se tratar de 06h30min.
Da janela do apartamento se vê apenas uma parte que não foi atingida nem sequer com lama. Assim, quando por volta das 7h vimos que um helicóptero sobrevoava o centro da cidade, tivemos certeza que algo havia acontecido. Quando descemos, eu e a Uiara, os oito andares do edifício que nos manteve protegidos e nos deparamos com a rua em frente ao edifício tomada de lama e o porteiro nos dizendo que havia ocorrido um desastre na cidade, logo fomos até a comunidade.
Até lá caminhamos em meio à lama. A Claudia e o Toni (casal que mora e zela pela comunidade) estava trabalhando desde 1h30 da madrugada, erguendo papeis e utensílios e protegendo a documentação histórica da comunidade. Não podemos esquecer que a fundação da mesma deu-se em 1824. O nível da água do Rio Bengala, que se forma bem enfrente ao templo da comunidade quando dois córregos que vem do alto das montanhas se encontram, já havia baixado (nesta área o rio é canalizado por dois muros de concreto que resistiram apesar das rachaduras.)
Toda a parte térrea das instalações da comunidade ficou com cerca de 30 centímetros de lama, ou seja, o templo, o escritório, a capela mortuária, o salão comunitário, o memorial histórico o jardim, o estacionamento e o carro usado para atendimento pastoral ficou cheio de água. Durante uma parte da quarta-feira nos dedicamos à limpeza do templo e a sua volta para evitar maiores danos. O escritório terá que ser reformado, pois houve danos pela força da água.
Ainda não imaginávamos a dimensão do que havia ocorrido. Sabíamos que um prédio e algumas casas tinham desabado, a três quadras de onde moramos. Foi onde morreram os três bombeiros soterrados. Eles foram socorrer, ainda de madrugada, pessoas que estavam presas nos escombros de uma casa, quando houve um segundo desmoronamento.
Resolvemos, eu, Toni e seu irmão Edgar que estava auxiliando na limpeza na igreja, andar pela cidade para ver o que de fato estava acontecendo. Foi quando vimos a Praça do Suspiro, importante ponto turístico da cidade, destruída. O movimento de pessoas na rua estava intenso, bem como o trânsito de carros. Parecia que todos estavam andando sem saber bem para onde.
Subimos em um lamaçal com cerca de um metro de fundura, onde antes era uma rua. Um cenário desolador. Parecia aos meus olhos um lugar que tinha sido abandonado a muitos e muitos anos – apesar de tanta gente andando para baixo e para cima.
Estávamos sem luz e sem telefone, as pessoas procuravam seus familiares ou parentes. As pessoas até falavam umas com as outras, mas a sensação era de um profundo silêncio.
Eu particularmente estava me sentindo impotente. Na verdade, vendo gente correndo em todas as direções e o som das sirenes das ambulâncias, dos carros de bombeiros, dos carros da polícia cada vez mais intermitentes, helicópteros sobrevoando a cidade e gente gritando pedindo passagem no trânsito confuso, eu estava bem confuso.
Membros do presbitério tinham questões sérias de suas famílias para ver. A presidenta da comunidade estava doente com pneumonia e sem notícias de um irmão. O tesoureiro, apesar de ter a sua loja toda alagada e somar enormes prejuízos financeiros, procurou pensar e encaminhar questões referentes a sepultamentos ou cremações, uma vez que ele é administrador do cemitério e do crematório ligados à comunidade. Com o secretário da comunidade não consegui contato. Fui dormir o primeiro dia bem desnorteado e inquieto, ou melhor, tentar dormir.
Tendo em vista que na quinta-feira (dia 13) algumas linhas telefônicas voltaram a funcionar, procurei fazer contato com membros da comunidade para saber notícias. Há pessoas com prejuízos financeiros, mas não soubemos de ninguém que tenha ficado ferido ou morrido. Durante todo o dia de quinta-feira ficamos ocupados com remoção de lama do templo, do estacionamento e do salão da comunidade. Mas não estava parecendo ser a atitude pastoral mais correta. EU nunca tinha vivenciado algo parecido e era preciso deixar a limpeza das instalações comunitárias para outra ocasião e me misturar à legião de voluntários e proceder de outra forma
Logo bem cedo na sexta-feira, sugeri que o Toni me levasse com a Kombi da comunidade até a prefeitura e nos colocarmos à disposição para trabalho voluntário. Foi quando nos disseram que estavam precisando de ajuda no local para onde estavam trazendo as pessoas falecidas para serem identificadas.
Fomos até lá, no centro da cidade (é logo do outro lado da rua principal da cidade, da janela do apartamento onde moramos pode ser ver toda a movimentação), mas nos disseram que seria mais interessante irmos até o corpo de bombeiros onde estavam cadastrando voluntários e voluntárias. Para chegar do centro até a sede do corpo de bombeiros o caminho normal se tornou impossível, pois uma das avenidas ficou intransitável – a avenida onde está a maior parte das lojas, o hospital público Raul Sertã e um particular, o São Lucas, que foi parcialmente destruído. Todos os pacientes tiveram que ser transferidos para o hospital público na noite do desastre.
Depois de muitos desvios e voltas chegamos ao corpo de bombeiros e lá nos cadastramos como voluntários. Formou-se uma equipe para proceder com a limpeza de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), muito bem equipada, que havia sido inaugurada há seis meses. Levamos o dia inteiro puxando lama, lavando e limpando equipamentos e no sábado (dia 15) ela entrou em funcionamento. Esta Unidade de Pronto Atendimento está localizada no Bairro Conselheiro Paulino, muito populoso e onde muitas pessoas perderam a vida.
Já no sábado, levamos doações recebidas na comunidade para a prefeitura, onde estavam de certa forma concentrando donativos. Colocamos o veículo da comunidade à disposição para levar mantimentos para algum dos lugares da cidade. Fomos designados para irmos ao Bairro Floresta. Na verdade fomos duas vezes naquele dia para este bairro levar água e comida. È um lugar íngreme. Neste bairro caíram muitas barreiras, resultando na morte de várias pessoas. As pessoas estavam abrigando umas às outras em suas casas, segundo o relato dos moradores. O trânsito é caótico, muita gente andando por necessidade, outros andando somente para tirar fotos.
No domingo, após ter ido à rádio fazer o programa, fomos até uma fábrica parada, cujos galpões estão sendo usados para organizar a redistribuição de donativos que vem de outras cidades e regiões do país. Estavam divulgando que necessitavam de voluntários para descarregar carretas com água e mantimentos, bem como colchões.
Primeiro transportamos colchões até uma igreja, denominada CEIFA, que disponibilizou suas instalações e fez parceria com a ONG Viva-Rio para desenvolver seus trabalhos de solidariedade diante do acontecido.
Em seguida ajudamos a carregar dois caminhões da Marinha com água, cestas básicas e mantimentos, para serem distribuídos em uma localidade chamada Riograndina. Além dos dois caminhões carregados foi mais um, levando o pessoal voluntário.
Acompanhamos o comboio em um dos caminhões. O local é além do Bairro Floresta, no qual havíamos estado no dia anterior. Fomos também a um lugar chamado Alto dos Maias. É um bairro onde chegaram pessoas de locais isolados, dos quais a única forma de chegar e sair é caminhando. Formou-se uma fila enorme de pessoas com bolsas plásticas ou vasilhas para receber comida.
Hoje é 17, segunda-feira. Ocupei o tempo para ficar aqui na comunidade. Estamos motivando o pessoal para nos organizarmos na comunidade e desenvolvermos um trabalho mais planejado de Diaconia – não só para esta situação emergencial, mas um trabalho para médio e longo prazo, de fato organizado e estruturado.
Precisamos levantar dados mais concretos sobre quem precisa o que. Sobre as condições de todas as pessoas e não só de quem é membro da IECLB.
Amanhã terça-feira está prevista a visita do Pastor Sinodal Guilherme Lieven que se reunirá com a comunidade para conversarmos a respeito da realidade de Nova Friburgo e região. Qual vai ser a nossa tarefa em meio a esta realidade social e ecológica.
A cidade está voltando ao normal no que diz respeito ao comércio no centro da cidade, serviço bancário, transporte coletivo. Há uma equipe grande de pessoas enviadas pelo governo Federal, Estadual e da própria prefeitura do Rio. A cidade esta começando a ser limpa pelo menos aqui no entorno. Mas tendo por base o que eu vi andando nos bairros para dar segurança e o mínimo de conforto para as pessoas vai se requerer muito investimento. Eu espero que se tire algumas lições diante do ocorrido. Que as pessoas que perderam as suas vidas não sejam apenas esquecidas e tudo fique como antes. Tenho a impressão que os seres humanos têm grande dificuldade em tirar lições para evitar sofrimentos no futuro.
Creio que um dos papéis da igreja é lembrar deste fato.
Adélcio Kronbauer, pastor da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasi (IECLB)
Nova Friburgo, 17 de janeiro de 2011.
fonte: FLDVeja mais informações sobre a tragédia da região serrana fluminense