O pai e a mãe que perdem um filho ou uma filha vivem um impacto muito forte. Isto vai causando estados físicos, emocionais e espirituais diversos na medida em que os momentos vão se sucedendo. Esses estados têm duração indeterminada e variável. Um desses é o de imobilidade. É o estado de estar aí imóvel, de mãos vazias, sem saber o que pensar, o que sentir e o que fazer. Numa tentativa de descrever o valor desse estado, poderíamos dizer que está carregado de invalidez e inutilidade. Trata-se de um perigoso momento de ser carregado pelo que está aí em volta, ou seja, pelo suporte social. É perigoso porque o ato de ser carregado leva consigo a possibilidade de deixar cair. É perigoso porque tem aquilo que podemos nos imaginar a respeito de uma folha seca, desidratada e leve, ao léu e ao vento: para onde será levada? Para um lugar bonito como se dá com as folhas de outono, as preferidas dos fotógrafos? Para o lamaçal da podridão? Para a correnteza do rio?
O pai e a mãe que perdem um filho ou uma filha passam por essa experiência de estarem à disposição de seu suporte social. Esse suporte pode ser a família, a comunidade religiosa, os parentes, amigos e as amigas, as pessoas que integram círculos de proximidade em clubes e associações, etc. Diferentemente dos casos anônimos, em caso de tragédias, somam-se a este suporte as personalidades distintas da sociedade, como políticos, artistas, modelos e a mídia em geral. Como disse antes, faz parte da vida de uma pessoa que sofre o luto aquela fase em que seu estado protagoniza a ação das pessoas que formam o suporte social. É como se o pai e a mãe que perdem o filho ou a filha estivessem passivos ou estivessem nas mãos de seu contexto assim como a folha está nas mãos do vento. O meio envolvente comanda os acontecimentos e organiza momentos dos quais, mesmo sem força e sem ânimo, precisam participar. Mas isso logo passa …
Acontece, porém, que a gente que perde um filho ou uma filha – mesmo em estado de choque ou anestesiada por remédios ou humores secretados pelas glândulas do corpo em resposta à dor da alma e do sofrimento – tem dentro de si algo como um indivíduo que está amoitado e na espreita. Dali arrisca, com um canto do olho, a observação do que os outros estão fazendo. E esse meio olho é dotado de uma lucidez incrível. Ele distingue o que é gesto solidário e o que é busca de promoção política ou tentativa de instrumentalizar a dor alheia e a comoção coletiva em favor de um plano. Ele distingue o que é palavra autêntica, dita na procura de oferecer amparo, e o que são frases artificialmente construídas.
Assim sendo, os enlutados estão fragilizados, mas não perderam a lucidez. Por isso, se alguém quiser falar ao coração do pai e da mãe que perderam um filho ou uma filha, faça isto sem pedir carona na mídia para projetos de futuro para a juventude ou para o crescimento de sua agremiação religiosa. Quem morreu não participará de projeto algum e também isto é motivo de dor e sofrimento para o pai e a mãe. Passado algum tempo, os enlutados haverão de se empenhar, se Deus quiser, na construção do projeto de guardar uma memória saudável de seu filho ou sua filha que se foram tão antes do tempo. Para esta obra, para este projeto de pai e mãe, o suporte social pode ser ação terapêutica importante.
Ninguém ganha com uma tragédia. Que ninguém ouse fazê-lo! A última vez em que Deus ensinou com uma tragédia foi quando seu próprio e único Filho morreu na cruz (depois disso Ele nos adotou como filhos e filhas). Deus ressuscitou Jesus e o tornou o Cristo para que a nossa esperança não ache pedra de tropeço em nenhum desespero, por mais trágico que seja. A tragédia de Santa Maria não existe para o ensino. Deus não mata para ensinar. Quem mata é a nossa fragilidade humana e desorganização social que existem graças à liberdade que Deus nos deu quando fomos expulsos do Paraíso (Gn 3).
O mundo da política precisa fazer algo pela segurança da população porque isto faz parte da natureza da política. Político que age de susto não merece o nome de político. O mundo da religião precisa fazer algo pelo consolo das pessoas enlutadas e pela concepção de modos de vida seguros porque isto faz parte da natureza da religião. Religião que age a partir de comoção coletiva não merece o nome de religião.
Quanto ao sofrimento do pai e da mãe que perderam um filho ou uma filha, não tem outro jeito. É como se tivessem recebido um objeto de altíssimo valor. Ele é pessoal e intransferível. Não pode ser usado, gasto, distribuído ou trocado. Só tem um jeito: guardá-lo responsavelmente. Como um grande valor não pode ficar exposto o tempo inteiro, a pessoa que sofre aprende com a cabeça, mesmo que o coração não queira, a guardar tal objeto. No início é uma vitória conseguir guardá-lo pelo menos por alguns instantes durante a noite para poder dormir. Aprende-se em seguida a não ver aquele objeto refletido em qualquer outro objeto, no gosto da comida, em qualquer som, em qualquer gesto, … Que vitória, ficar algumas horas sem ser torturado pela ideia de que você é dono desse objeto que lhe foi dado assim de graça, de uma hora para outra. Futuramente será possível guardá-lo por um tempo mais longo. Mas, sem pressa, ninguém pode forçar nada.
Pai e mãe, vocês agora fazem parte do grupo que não tem nome. Se fossem cônjuges que perderam cônjuges, seriam viúvos ou viúvas. Se fossem filhos ou filhas que perderam pai ou mãe, seriam órfãos ou órfãs. Como pais e mães que perderam filho ou filha não têm nome. É porque perder filho ou filha não é próprio da natureza, é fogo e fumaça venenosa.